quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

“O Divã virou um case”

Martha Medeiros: “O Divã virou um case”

(Foto: Letícia Remião/ Divulgação)


Entrevista

Martha Medeiros, colunista e escritora

A 76ª edição do CineSemana traz entrevista com Martha Medeiros, escritora e colunista do jornal Zero Hora de Porto Alegre, e de O Globo, do Rio de Janeiro, Martha Medeiros. Autora de diversas crônicas, ela fez sua estreia na ficção com Divã, em 2002. Três anos depois, a atriz Lilia Cabral adaptou para o teatro a história de Mercedes, uma mulher na meia-idade que resolve fazer análise, questionando temas do cotidiano, como casamento, maternidade e paixão. Hoje, a obra da autora gaúcha chega aos cinemas sob a direção de José Alvarenga, o mesmo de Os Normais (2003). Em entrevista a CineSemana, Martha conta como é ver seu trabalho adaptado para os palcos e telas e também destaca o assunto que mais gosta de escrever: as relações humanas.

Qual a diferença entre ver sua obra adaptada para o teatro e para o cinema?
É quase a mesma coisa. Na verdade existe um estranhamento sempre que a obra é adaptada não importa pra qual veículo porque a gente sempre que escreve se senti assim uma proprietária privada, ‘foi eu quem inventei os personagens, eu conheço bem aquelas emoções que estão no papel, aquilo ali tem muito a ver comigo’. De repente quando a gente vê a obra ganhar corpo, “ganhar corpo” aqui no caso não é jogo de palavras, é ganhar corpo mesmo, existe uma atriz, existe outros atores, existe voz, figurino e outras emoções, claro, é um susto, mas é um susto bom, é uma coisa muito interessante. A gente vê o desdobramento que aconteceu e o livro foi apenas um pontapé inicial disso tudo. É muito bacana. Eu to muito feliz. Agora o fato de ser teatro ou cinema não muda tanto. No caso do Divã pra mim foi surpreendente porque eu já achava que o teatro tinha sido um sucesso e já tinha sido um presente isso acontecer relacionado a um livro meu. Agora o filme vem dar um novo fôlego nessa história toda. Eu brinco assim: o Divã virou um case, porque agora ta completo, é livro, é peça e é filme. E eu acho que pra qualquer autor isso é um super orgulho.


Você acompanhou as filmagens ou se envolveu de alguma outra maneira na produção do longa-metragem?
Nada, eu acho que o autor tem que dar liberdade para aqueles que vão adaptar. Porque eu tenho que entender que cada um faz uma leitura da obra, uns conseguem desenvolver mais o lado humorado. No caso da Lilia, por exemplo, ela deu uma veia cômica muito maior ao personagem do que tinha no livro. Às vezes um personagem que é pequeninho no livro, eles acham que tem potencial pra crescer e cresce na obra, sendo teatro ou cinema. Outros personagens que eram pequeninhos no livro desaparecem ao invés de crescer. Eu acho importante porque é uma outra linguagem, não pode achar que teatro e cinema é igual ao livro. Literatura é uma coisa, cinema é outra, teatro é outra, e eu não domino nem cinema, nem teatro. Eu sou só uma espectadora. Então eu achei muito melhor pra eles que eu ficasse ausente do processo de criação, porque se não eles vão querer me agradar, quando na verdade eles têm que agradar o seu espectador, têm que agradar o público e não a mim. E acho que desse jeito é uma maneira mais generosa de trabalhar e pra mim é melhor também porque se não eu ia ficar me frustrando, eu ia me estressar, ‘ai tem que ser assim, tem que ser assado, isso eu gosto, isso eu não gosto’. Não tem porque eu ter essa trabalheira toda. Eu prefiro confiar na equipe e deixar que eles trabalhem com liberdade. Eu sentei no cinema e assisti como qualquer outra pessoa que vai assistir. Eu não sabia o que eu ia ver. Sabia quem era o elenco, confiava muito no diretor, que eu tinha almoçado uma vez só, mas já tava tudo pronto, foi só pra gente sem conhecer. E na peça foi assim também, eu sentei ‘e seja o que Deus quiser’.

E a adaptação ficou bastante fiel?
No aspecto geral ta fiel. É a história de uma mulher casada com filhos, ela nem sabe direito o que ta fazendo na terapia, mas ela sente que tem alguma coisa incomodando, e aos pouquinhos, à medida que as consultas vão passando, a vida dela também vai se transformando, ela acaba tendo um caso com um cara, quer dizer essa parte toda, ela tem a melhor amiga, tudo isso foi mantido, isso ta tudo muito fiel ao livro. O que tem de diferente é alguns personagens, outros que não aparecem muito, isso mudou um pouco. Acho que a peça e o filme são bem mais bem humorados e mais leves do que o livro. Existe uma comunicabilidade muito legal, existe a intenção de claro fazer as pessoas refletirem, mas o humor ta bem mais presente. Eu acho que se tivesse que ter uma grande diferença, não que o livro não tenha um certo humor, ele até tem, mas é um humor mais contido, é mais uma ironia, um sarcasmo, são coisas mais pontuais, enquanto que o personagem da Mercedes ele é mais engraçado, até porque a Lilia faz comédia muito bem, faz tudo bem, mas a comédia em especial. Então eu acho que o filme, principalmente, ganhou nesse aspecto. Mas eu não posso dizer que é uma coisa muito diferente do livro não, acho que a espinha dorsal vamos dizer foi mantida.

Com as adaptações, você e a Lilia Cabral se aproximaram e mantém contato?
Sim, tudo começou através dela mesmo porque na época em que ela leu o livro ela gostou muito, conseguiu meu telefone e disse que tinha interesse em adaptar. Logo depois a gente se encontrou pessoalmente e conversamos. Eu vi como seria o projeto dela e dei carta branca. Não participei das adaptações, nem do teatro e nem do filme. Eu realmente dei carta branca, deixei que eles fizessem o que quisessem. Mas fiquei muito satisfeita com o resultado. E claro, depois eu assisti a peça várias vezes. Acho que assisti a peça umas oito vezes nos três anos em que esteve em cartaz porque a cada estreia em uma cidade eu ia junto, enfim, tinha várias situações em que eu tava com o elenco. E agora com o filme houve essa reaproximação de a gente ter dado muitas entrevistas juntas, então eu acabei tendo mais contato com a Lilia.

O livro aborda a psicanálise. Você tem alguma relação com essa área, tem algo marcante na sua vida sobre isso?
Não, na verdade eu gosto muito, até nas minhas crônicas, o meu assunto preferido sempre foi relações humanas. Eu gosto muito dessa complexidade do ser humano, de investigar o que está por trás das atitudes, quais são os nossos desejos mais secretos, eu sempre achei tudo isso muito fascinante. Mas eu nem ao menos faço análise, eu não faço. Pra mim escrever é que é terapêutico. Mas eu sempre gostei muito do que move as pessoas, o que faz com que uma pessoa seja feliz ou infeliz, como é que uma pessoa tendo tudo que todos acham que é o básico, que é ‘ah tenho amor, tenho saúde, tenho dinheiro’, porque que tanta gente que isso ainda assim não se senti a vontade na vida e ainda senti que ta faltando alguma coisa. Esse faltar alguma coisa sempre me cativou, o que que é, como é que a gente resolve as nossas carências, e como a gente vai mudando com o tempo, o que nos fazia feliz aos 20 anos, aos 40 já não é mais isso é outra coisa. Eu gosto muito dessa mobilidade da vida, dessa eterna busca, que não vejo isso como uma angústia, mas vejo isso como um trajeto que tem que ser percorrido mesmo. E o livro na verdade é isso, é o trajeto de uma mulher que já viveu alguma coisa, ela ta na meia-idade, e ainda tem mais uma parte dois pra viver na vida e ela quer saber o que fazer dessa parte dois, se ela segue com as mesmas escolhas ou se ela muda de rumo. E acho que isso é comum a todos nós, por isso até acho que o Divã, o livro fez sucesso e fez sucesso com a peça e acho que o filme tem tudo pra fazer também porque eu acho que é muito fácil a gente se identificar com esses questionamentos.

Divã retrata temas do cotidiano como casamento, maternidade, solidão e paixão. Você acha que suas crônicas têm alguma influência sobre o livro?
Eu acho que tem. Às vezes eu até fico constrangida de chamar o Divã de um romance porque na verdade eu acho que na verdade ele é um livro de transição entre a crônica e a ficção. Ainda eu me coloco muito até em função de ser escrito na primeira pessoa e os assuntos que têm no Divã, muitos deles eu já abordei em crônicas, só que claro no livro eu tenho mais espaço, eu posso aprofundar mais, eu posso desenvolver mais esses assuntos. Mas eu não acho que seja uma obra completamente diferente das crônicas que eu faço. Só que ali existe um personagem que conduz todos esses temas. Essa é a diferença maior e é um livro de ficção. É diferente nesse aspecto, quando eu escrevo crônica eu to dando minha opinião, ali é eu Martha, e na ficção eu consigo realmente abordar os temas que não tem nada a ver comigo assim especificamente, mas que eu também tenho interesse em discutir.

Você tem planos para seguir com as crônicas, escrever outra novela ou lançar um romance?
As crônicas continuam sem interrupção. Eu continuo com as minhas duas colunas no Jornal Zero Hora e a minha coluna dominical no Globo do Rio, isso aí é o meu trabalho estável, fixo. Depois do Divã, eu já escrevi dois livros de ficção, um que se chamou Selma e Sinatra e o outro foi de dois anos atrás Tudo o que eu queria te dizer, que é um livro de cartas, e também são tentativas minhas de entrar para o mundo da ficção e já to escrevendo um quarto livro de ficção, que eu pretendo concluir até o final do ano, mas não to com pressa, e que também fala sobre relações humanas e dores de amor. Vou em frente. Não sou de fazer muitos planos, mas trabalho sem cessar e aí vamos ver o que a vida vai oferecer.

Publicado por Katiana Ribeiro.

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