Apesar de dolorosa, infidelidade pode trazer chance de crescimento...
Poucas coisas são tão dolorosas em
uma relação a dois quanto a traição de uma das partes. Tenha sido
descoberta ou revelada, ela sempre traz à tona muitos sentimentos
contraditórios: "o outro não presta", "o outro não me ama", "eu não sou
boa o suficiente", "ninguém nunca poderá me amar", "onde foi que eu
errei?", são apenas algumas das opções.
Doi muito, por
vários motivos: depositamos nossa confiança na outra pessoa e ela nos
decepcionou; juramos exclusividade mútua e uma terceira pessoa foi
incluída na relação sem a concordância de todas as partes; honramos
sozinhos o compromisso assumido; fomos obrigados a dividir o ser amado
com outra pessoa sem termos sido consultados. São muitos os motivos
pelos quais sofremos, mas a experiência de uma traição carrega em si uma
incrível oportunidade de crescimento, onde aprendemos a conhecer melhor
o outro, à nós mesmos, e aos problemas da relação. Só depende de como
lidamos com isso.
Mas quando surgiu o mandato de
exclusividade nas relações? Apesar de ser emblemática na cultura do
homem civilizado, a monogamia não é algo inato ao homem. Relativamente
recente em nossa história, ela surgiu como ferramenta necessária para
conservação da propriedade privada. Sem esta exigência, o homem não
teria meios de saber se os filhos concebidos dentro do casamento eram
realmente seus. Isso impactaria diretamente no patrimônio familiar, que
deixaria de pertencer à família, caso fosse herdado por filhos
ilegítimos.
Hoje em dia, os motivos para a exigência da
monogamia não são os mesmos, e os sentimentos que uma traição provoca na
gente são extremos. Muitos a consideram como ponto final de uma
relação. Porém, mais importante do que o destino do casal é avaliar as
causas que permitiram a entrada de uma terceira pessoa na relação. Será
durante a revisão daqueles motivos que entenderemos como se chegou até
ali e de que maneira seguir adiante.
Identificando a causa da traição
É preciso ter duas coisas claras desde o início.
Primeiro, ninguém trai sozinho. Claro que para toda regra há exceção,
mas não é comum que não haja qualquer problema entre o casal e uma das
partes traia. Todos estamos socialmente e culturalmente programados para
sermos fiéis, portanto, trair é uma transgressão inclusive para o
traidor. Por isso, acredito na existência de uma forte motivação por
trás desse ato, geralmente alimentada (conscientemente ou não) por ambas
as partes da relação.
O segundo ponto importante a ter
em mente é que, mesmo que ambas as partes tenham participação no real
motivo por trás da traição, trair é sempre uma escolha pessoal. Por
isso, é sempre responsabilidade única e exclusiva daquele que trai.
Ainda que os fatores motivadores sejam construídos com a participação de
ambas as partes, não dá para culpar o outro por termos traído. Por mais
problemas que tenhamos com a nossa cara-metade, sempre podemos escolher
mil caminhos diferentes da infidelidade. E se escolhemos trair, essa
responsabilidade é exclusivamente nossa.
Uma vez que traímos, o que fazer?
Muitas pessoas decidem contar para o parceiro em
nome de uma suposta sinceridade, que na verdade pode esconder um
profundo egoísmo. Não aguentamos o peso da nossa própria consciência e
precisamos dividi-lo com a outra pessoa. Nos sentimos péssimos com a
gente mesmo, e precisamos que o outro amenize esse sentimento,
"perdoando" nosso ato. Assim, se o outro nos dá o seu perdão, podemos
deitar a cabeça no travesseiro e dormir em paz, tendo primeiro
desfrutado da traição e agora desfrutando do perdão por tê-la cometido.
Mas e o outro, como fica nesse processo? Se nossa sinceridade deriva do
amor que sentimos, deveríamos ter em mente o bem-estar do nosso parceiro
antes de qualquer outra coisa. Não dividimos com o outro a decisão nem
os prazeres da traição, mas queremos que ele nos ajude a carregar o peso
do erro.
Outros não têm nem a opção de decidir se contam
ou não: são descobertos antes de poder se revelar. Aqui, o melhor a
fazer é deixar a poeira baixar, para então sentar e avaliar as razões
pela qual a relação chegou até ali, o que faltou à parte que traiu para
buscar algo fora da relação, onde cada um errou, o que poderiam ter
feito melhor e, principalmente, o que significou aquela traição para
quem a cometeu. Foi apenas um momento? Houve sentimento envolvido? A
partir daí, será possível ver claramente se dá para perdoar e seguir com
a relação em outras bases, ou se é melhor partir para outra,
especialmente se o traído não conseguir ou desejar perdoar.
No
entanto, apesar da traição ser uma infração a um acordo mútuo de
exclusividade, nem sempre ao sair com outra pessoa estamos traindo o
outro. Muitas vezes, o desejo é simplesmente exercer nosso direito à
liberdade, atender a um desejo do momento, sem o objetivo de ferir o
outro nem remediar alguma ausência da relação. Quando esse for o caso, o
mais importante é ser ético em todas as instâncias, o que significa
agir preservando o nosso parceiro, sua imagem pública e social, sua
saúde, e tudo o mais que nossa atitude puder atingir.
O que vem depois da traição
Quando assumimos publicamente um compromisso com
outra pessoa, decidimos renunciar à nossa liberdade para nos tornarmos
parcialmente "propriedade de". Ainda assim, continuamos donos de nós
mesmos, e temos o direito de, em algum momento, decidir fazer algo com
isso que nos pertence sem necessariamente pedir permissão ao outro.
Neste caso, nossa obrigação é preservar o ser amado de toda e qualquer
dor, e continuar sendo fiel em muitos outros níveis da relação, que
extrapolam o físico e o sexual. Podemos continuar sendo pais presentes,
maridos presentes, amigos para toda hora e parceiros em situações
difíceis, sem expor, ridicularizar, trair dentro do círculo de amigos,
ou com o melhor amigo do nosso par. Podemos, sim, responder a um desejo
momentâneo preservando todas as outras instâncias da relação.
Ao
contrário do que muitos pensam, uma traição não necessariamente ocorre
quando a relação já esgotou todas as suas possibilidades. Ela pode
ocorrer por raiva, por vingança, por carência, por autossabotagem (tem
gente que não sabe aceitar a própria felicidade e busca uma maneira de
destruí-la), e pode ainda funcionar como uma "muleta" para a relação.
Como não encontramos uma maneira de conseguir o que nos falta com o
nosso parceiro - mas também não podemos conceber a vida sem aquela
pessoa - buscamos externamente um remédio. Ainda que temporária ou
falha, essa solução momentânea nos permite continuar vivendo a relação
que escolhemos, apesar do problema que não podemos resolver.
De
muitas maneiras, uma traição é uma oportunidade de crescimento para o
casal. Ela não precisa ser o fim, nem representar o fracasso da relação.
Como tudo na vida, dependerá apenas do uso que o casal fizer da
experiência, e da maturidade que tenha para abordar os próprios
problemas. O resultado desta vivência pode ser uma relação mais madura e
consolidada. Ou o fim, onde cada um segue seu caminho com maior
conhecimento das próprias necessidades e limitações.
Fonte:personare.com.br