Saber fazer concessões não é sinal de fraqueza
Num sábado de manhã, eu estava andando por uma rua em Pinheiros, São
Paulo, procurando DVD virgem para comprar. A calçada estava tão
congestionada quanto a rua. De uma das inúmeras lojas de decoração saiu
um casal estiloso, bem moderno. Saiu e parou no meio da calçada. Seria o
equivalente a sair de uma das transversais da Paulista e estacionar
atravessado na pista para consultar o GPS.
Eu desviei
pela esquerda, um senhor que vinha do outro lado desviou pela direita no
exato instante em que o homem virou e esbarrou nesse senhor. O senhor
não falou nada, mas o homem apressou-se a gritar, misturando desculpas
com palavrões, como se o senhor tivesse reclamado. O casal veio na minha
direção, logo atrás de mim, comentando o rápido incidente: "tem gente
que anda na rua sem prestar atenção em nada!".
Como eu
fiz parte do incidente e tenho uma visão totalmente oposta a deles sobre
a causa e o desfecho dele, fiquei refletindo sobre isso. Por
coincidência eu estava em São Paulo coordenando um encontro sobre
relacionamentos - e todo encontro humano é um relacionamento, mesmo os
esbarrões na rua. O ponto de vista de cada um é talvez a maior fonte de
apego que temos. O meu ponto de vista é o certo, todos os outros estão
errados. Essa parece ser a atitude mais comum que as pessoas levam para
um relacionamento. Como o meu ponto de vista é o certo, o outro precisa
mudar seu caminho, porque eu vou seguir no meu. E, se num gesto de
imensa benevolência, eu mudar o meu caminho, o outro vai ficar me
devendo!
Ajustes cotidianos
Quantas vezes ouvimos ou lemos nos murais das redes
sociais "Eu não mudo por ninguém!", escrito com muito orgulho. Ninguém
precisa (nem deve) ser o Zelig, o personagem do clássico filme de Woody
Allen que mudava o comportamento e a aparência para se adaptar ao seu
interlocutor, fosse qual fosse. Mas em qualquer relacionamento é preciso
que façamos ajustes, nem que seja em detalhes triviais, como dormir
mais cedo do que está habituado porque o parceiro trabalho muito cedo,
dar uma chance para os filmes que ela gosta, dormir com uma luzinha da
casa acesa porque ela tem medo do escuro total que você adora.
E
as concessões maiores, que envolvem decisões sobre onde morar, como
lidar com o dinheiro, o que fazer nas férias, são mais difíceis ainda de
conciliar. São geralmente onde o meu ponto de vista deve prevalecer,
senão eu serei um fraco. E assim começam as grandes discussões...
Olhando além do próprio umbigo
Desapego é uma palavra meio gasta, e tem sido usada
até para significar o seu oposto! Saber o momento de abrir mão do
próprio ponto de vista para aceitar o outro não é sinal de fraqueza, mas
de sabedoria."Saber o momento de abrir mão do próprio ponto de vista para aceitar o outro não é sinal de fraqueza, mas de sabedoria."
Enxergar o mundo pelos olhos de outra pessoa
requer sair de dentro do próprio umbigo e se doar por um instante para a
possibilidade que o outro nos apresenta. Para isso é preciso interesse
verdadeiro no outro. Não interesse sexual ou financeiro, mas interesse
naquilo que o outro representa na sua vida ou que possa representar.
Interesse no mundo do outro.
Quando só o meu ponto de
vista tem valor, o resultado é igual ao que presenciei na rua, um
esbarrão! Olhe pra sua vida e veja se você está vivendo uma série de
esbarrões. Se estiver, pense se em cada esbarrão, poderia ter tido
alguma mudança de rumo. Talvez você confirme que os esbarrões eram
necessários quando aconteceram. Talvez você se dê conta de que a sua
visão tem sido somente a partir do seu umbigo. Está na hora então de se
desapegar um pouco do seu umbigo!
Fonte:personare.com.br